Apple, Google e Airbnb estão jogando na sua cara: o futuro do design não é apenas funcional, é emocional
Elas não estão apenas criando produtos, estão despertando sensações. E talvez seja hora da gente prestar atenção.
É empolgante ver quando as gigantes da tecnologia resolvem soltar a mão (como eu diria para meus amigos designers) e inovar criando interfaces que têm alma, cara e jeito próprio.
Goste ou não do tal Liquid Glass, é impossível negar: a Apple saiu da zona de conforto. E mesmo tentando algo novo, ainda dá pra reconhecer a marca de longe, como quem escuta o primeiro acorde e já sabe qual é a banda.
Mais do que isso, a Apple apostou em algo raro: criou um material digital que se inspira no mundo físico, mas sem se prender a ele. O Liquid Glass tem uma sensualidade translúcida, tátil, que lembra vidro molhado ou gelatina brilhante, mas é algo que só poderia existir no digital, e arrisco dizer, apenas em dispositivos apple com tamanha fluidez. É o oposto daqueles designs enfadonhos que reproduzimos por anos, simulações de cartões de papel com sombras artificiais e elevações excessivas que, muitas vezes, apenas sujam a interface.
Os velhos conceitos mais parecem agora um teatrinho da “fisicalidade”. Hoje, mais do que nunca, a gente pode sonhar alto, inventar linguagens inéditas, desenhar mundos que jamais pisaram na realidade. E com criatividade e usando inteligência artificial como ferramenta: dá pra esculpir materiais, moldar e transformar o impossível em ponto de partida, mas ainda estamos engatinhando dentro de uma nave espacial.
O Airbnb, uma das maiores referências em design de produtos digitais, também está nesse mesmo movimento. Seus ícones animados e cheios de ritmo criam um idioma visual que respira. Presente no app, nas campanhas, nos detalhes.
A interface sustenta essa linguagem ao oferecer apenas o essencial para cada contexto, em cada jornada, com simplicidade, espaços em branco que combinam pausas e ritmo. É uma linguagem viva, pulsante, que costura tudo com naturalidade. Arrisco dizer: está ditando as regras mais uma vez, criando tendência, enquanto o mercado replica sem identidade, sem propósito, sem originalidade.
Airbnb é um clássico caso onde as necessidades de entregar um excelente refino visual e cuidado com pequenos detalhes, cria novas tecnologias.
Novas tecnologias
Em 2017 mudou tudo com a contribuição para o Lottie criado anos antes por Hernan Torrisi, para dar munição para que designers criem animações. Fazendo assim, o caminho inverso, quando vemos um mercado que adora enfiar a tecnologia pela tecnologia goela abaixo, sem real propósito, sem resolver problemas básicos, sem contribuir para a comunidade de tecnologia, mas apenas para que investidores acreditem que estão de fato inovando.
Agora, outro passo com o Lava, que é um novo formato interno pra ícones animados em 3D. Lava é como um microvídeo com fundo transparente, que roda liso a 60 quadros por segundo. Entregando mais uma vez experiência visual de primeira, integrada nativamente, sem pesar no bolso do desempenho.
Neste vídeo o Lucas Montano explica mais sobre a importância do projeto e como isso é inovador. Além de inspirador ver brasileiros como Ramon Fritsch por trás disso.
E aí vem a grande sacada: ninguém tá dizendo que toda interface precisa brilhar como vitral ou que os ícones têm que ser quase esculturas em miniatura. A verdadeira lição é outra.
Se Apple, Google, Airbnb (marcas que têm bastante a perder) estão experimentando o novo, arriscando o incomum, por que você não?
Seu produto não precisa parecer com todos os outros. Dá pra criar algo que seja a cara da sua marca e que conte uma história, que deixe rastro na memória. Uma interface que sussurra o seu nome sem precisar gritá-lo a cada tap.
Hoje, a interface é a marca. Não é mais o logo lá no canto que carrega a identidade, mas sim as escolhas que você faz: o tempo de uma transição, o jeito que um botão responde, a sensação que tudo isso provoca em quem usa. Uma interface com alma diz mais que qualquer slogan. Não basta construir produtos funcionais; precisam trazer alegria, beleza e prazer.
E nesse cenário, é impossível ignorar a febre atual: interfaces em formato de chat. Viraram padrão. Estão por toda parte. Mas a pergunta que fica é: será que a gente não entendeu tudo errado? Será que esse atalho de transformar tudo em conversa, não é só uma tentativa desesperada de fugir da frieza das interfaces duras, quadradas, sem emoção, sem leveza, sem foco?
Talvez o sucesso desse formato não esteja na eficiência da conversa em si, mas na emoção embutida na linguagem, na proximidade que o chat simula, no entender o usuário, na linearidade, simplicidade, foco, na ilusão de que há alguém ali, do outro lado te “ouvindo”. Mas mesmo isso, quando mal feito, cansa. Fica tudo igual. Genérico. Frio de novo.
Aesthetic–usability effect
Aqui um experimento marcante feito pelos pesquisadores Masaaki Kurosu e Kaori Kashimura, o “Aesthetic–usability effect” citado também no livro de Donald Norman, que descreve um paradoxo no qual as pessoas percebem designs mais estéticos como muito mais intuitivos e funcionalmente superiores do que aqueles considerados menos agradáveis esteticamente, feito em 1995, em interfaces de caixas eletrônicos.
O Google, por exemplo, no teste do Material 3 Expressive, apostou em exagerar, forçou a barra de propósito, esperando cara feia. Mas o tiro saiu pela culatra: as telas mais ousadas foram as favoritas.
E quer saber? Isso soa como um convite.
“It’s design with the soul. What I mean by that is it’s [still] driven with deep purpose … but it also connects with you on the emotional level.”
— Vanessa Cho, VP of Google Design
Sim, nós somos seres subjetivos. A raça humana só está aqui porque conseguimos imaginar, sonhar, nos emocionar. É isso que nos move. É isso que nos conecta. Interfaces que despertam, provocam, acolhem, não são luxo. São necessidade. Um sinal verde pra criar com emoção, com verdade, com coragem.
Airbnb, Google, Apple… o que essas três têm em comum? A vontade de devolver à experiência digital aquilo que andava meio esquecido: o sentir.
Nos últimos tempos, o design de interface virou uma receita pronta (funcional até demais), mas muitas vezes sem alma, sem calor.
Isso não quer dizer abandonar a acessibilidade. Muito pelo contrário: o Google mesmo reforça que contraste, clareza e hierarquia são essenciais pra uma navegação decente.
Já no caso do Liquid Glass, fica o ponto de interrogação. A estética é instigante, o terreno é fértil, mas a execução, pelo menos até agora, parece tropeçar nos pilares de acessibilidade.
Ainda assim, é bom lembrar: a Apple tem nas mãos alguns dos melhores designers que esse nosso mundinho já viu. Então, críticas vazias, jogadas ao vento sem contexto nem propósito, não mudam o jogo.
Outro ponto é que, em geral, quem precisa de ajustes de acessibilidade já tem as ferramentas no sistema pra moldar a experiência do seu jeito. Por isso, não faz sentido aparar as asas das experiências mais imersivas e geniais com base em crenças limitantes. O caminho não é podar, e sim oferecer alternativas.
Nós, designers, vivemos arrotando acessibilidade o tempo todo para se apoiar em designs chatos e precários, deixando tudo sem sal, sem alma. Mal sabemos o bê-á-bá de elementos semânticos num HTML, não entendemos o suporte ou os recursos disponíveis, nem como direcionar os engenheiros.
Seguimos apaixonados pelo Figma como se ele fosse o destino final, esquecendo que quem vai usar é gente de verdade, com contextos de verdade e para um mundo em movimento, não estático.
Conhecendo a Apple, dá pra apostar que os próximos episódios virão com mais polimento, gerando tendência, assim como fizeram quando arrancaram dos nossos corações o home button do iPhone e ensinaram ao mundo todo que gestos naturais e simples não precisam de onboarding.
E talvez sim, de mais emoção.